Querida Olivia,
Estou ouvindo Rachael cantar, over and over and over again e desejando que ela grite. Passamos naquele trecho no centro da cidade e era tão alto que eu podia decidir se queria morrer mais devagar ou contemplar as outras mortes. E eu já disse, havia pássaros. Amarelos, espalhados naquele tom do dia que nem dia é. Deve vir daí a vibe azul, às vezes são bananas, às vezes maçã. "azul escuro sobre trilhos" é como ela lembra dele. A menina do papel, o menino do metrô. Ontem à noite eu engoli um choro que nem veio e o que voltou foi a vontade de te contar sobre meus pesadelos.
chá.
Os móveis baixos e amadeirados. Cair na cama te distanciava do teto e eu estendia assim o braço e caia para trás. E Laura ali, loira, loira como um pintinho, encolhida no canto do quarto. Mas...quem te fez isso? E você espera sangue mas eram fios finos e longos. Desculpa, eu...Não precisa chorar. Me dá sua mão. E é aquela mão de leite, aquela unha que não cresce. O sol entra tímido pela veneziana que insiste em ser verde. Já faz duas semanas que a poeira vem se aprumando, logo vai reinar. Estou aflito. Laura também já percebeu. Hoje os últimos biscoitos da lata. Ela me olhou após tomar o copo de leite, dente de leite. Quando vi, tinha pegado a tesourinha de costura, cortou tudo, pintinho. Você espera sangue, mas essa dor injetada precisa ser sólida? Vem cá, Laura, levanta daí, vamos fazer biscoitos? É linda, como mamãe. Os móveis baixos, tão perto de nós. Nenhum bilhete. Laura sorri e a mim basta.
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